"Era um dia frio, sem chuva.  Seria um dia chato, não fosse o Maracanã  lotado e a expectativa de um título. Ele não era fanático, sequer tinha  visto o estádio lotado na vida, até então.  Tinha 13 anos e torcia,  timidamente, para o Palmeiras, apesar de morar no RJ. 
Naquele domingo seu pai o levou na final.  De bandeira, camisa e  ingresso na mão, chegou assustado com a multidão. Entrou faltando 15  minutos pra começar e, quando olhou em volta, disse: “Pai, quantas  pessoas tem aqui?!?”.
 - Muitas, filho… uma nação inteira, disse o pai.
 Aquela multidão explodiu em faixas, bandeiras e papel picado minutos  depois.  O garotinho se encolheu com medo e sentou.  Com 1 minuto de  jogo a torcida levantou e não deixou que o guri visse mais nada. Ele  ouvia, sentia, mas não assistia.
 Seu pai, rubro-negro fanático, não tinha muita esperança de que seu  pivete palmeirense um dia se envolvesse com futebol. Jamais mostrou  grande interesse, e só torcia porque tinha um amigo que era palmeiras.
 O Flamengo saiu ganhando, mas não bastava. Tinha que ser com 2 gols  de diferença, ou nada. Seu pai explicou que “faltava um”, e o garotinho  não entendeu. Afinal… vitória não é vitória de qualquer jeito?
 Sofreu um gol, e ele não tirou sarro do pai como sempre fazia. Ficou  triste, como que contagiado pela multidão. O outro lado, 40% do estádio  apenas, fazia barulho, e ele ouvia o silencio da nação a sua volta.  Segundo ele, o silencio mais dolorido que já escutou na vida.
 O Flamengo fez o segundo, e o garotinho, se envolvendo com o jogo,  vibrou. Pulou no colo do seu pai e o abraçou como se fosse um legítimo  urubuzinho.
 Não era, ainda.
 A torcida começou a cantar o hino, que ele sabia de cor de tanto  ouvir o pai cantar.  Pela primeira vez, cantou num estádio, e fez parte  da nação. A angustia de milhares não passou em branco. Em mais alguns  minutos o garotinho suava e já rezava de mãos grudadas ao peito.
 O Flamengo virou, mas não bastava.
 40 minutos do segundo tempo. Mesmo com 2×1 no Placar, a nação ouvia  gozações do outro lado. Ele não entendia, e fez o pai explicar, mesmo  num momento dramático do jogo.
 Atencioso, o pai sentou e contou pro garoto que o Flamengo precisava  ter 2 gols de vantagem, porque a vitória por um gol empataria a soma de 2  jogos, e o empate era do rival. Ele não entendeu bem, mas simplificou  em sua cabeça: “Mais um e ganharemos”.
 Opa… “ganharemos”?  Ele não era palmeirense?
 E então, aos 43 minutos, onde alguns já se mexiam na direção da  saída, uma falta do meio da rua.  Seu pai vibrou e ele questionou: “O  que foi? Foi pênalti!? “
 - Quase isso, filho!! Dali pro Pet é pênalti!!, profetizou o pai, ignorando a distancia da falta.
 A cobrança… o silencio eterno de 1 segundo e a explosão.  Gol do   Flamengo! Petkovic! E seu pai o abraça como nunca abraçou em toda sua  vida. Pula, joga o garoto pra cima, beija, chora…
 O garotinho, numa mistura de susto com euforia, olha em volta e, de  braços abertos, comemora em silencio um gol que não era dele.  Sem  razão, ele chora. E chorando, abraça o pai que, preocupado, rompe a  alegria e pergunta: O que foi? O que foi? Se machucou?
 - Não…  Eu to feliz, pai!
 Sem mais palavras, o pai sentou e abraçado ao garotinho deu um abraço  de tricampeão. O jogo acabou, e os dois continuaram abraçados.
 A festa rolando, os dois assistindo a tudo aquilo emocionados, o  garotinho absolutamente embasbacado com a cena, já que nunca havia  visitado um estádio lotado, muito menos uma decisão. O pai olhava pro  campo e pro filho, porque sabia que, talvez, aquele fosse seu único  momento na vida onde teria a imagem de seu garoto comemorando um titulo  do time dele.
 E chorava, sem vergonha nenhuma de quem estivesse em volta.
 O menino foi embora pensativo, eufórico. Em casa, contou pra mãe com  uma empolgação incomum sobre tudo que viveu naquela tarde. E não falava  do jogo, apenas da torcida.  Iludido por uma frase, contou pra mãe:
 - Aí, no finalzinho, teve um pênalti! E o Flamengo fez o gol…
- Não filho… não foi pênalti! Foi de falta.
- Mas você disse que foi pênalti…
- Era modo de falar…. hahahahahah
- Então, mãe…  aí, o cara fez o gol e a gente foi campeão!!!
 Pronto. Aquele “a gente” fez o pai parar de colocar cerveja no copo,  virar a cabeça lentamente e perguntar, com medo da resposta:
 - A gente, filho?
 (silencio…)
 - É pai! O Mengão!!!!!
 Emocionado, o pai abraçou o garoto e não falou nada. Ali, seu maior  sonho virava realidade. A mãe entendeu, deixou os dois na cozinha e saiu  de fininho, enquanto o pai começava a contar de uma outra final que  viveu em mil novecentos e bolinha, com toda a atenção do novo  rubro-negro.
 Hoje o garoto  tem 21, completados há alguns dias.
 Quando seu pai perguntou o que ele queria de presente este ano, a resposta foi essa:
 - Dois ingressos, uma bandeira, a camisa nova e ver você chorando igual aquele dia.
 E há quem diga que “futebol é bobagem”…
 Abs,
RicaPerrone"