Promessas de candidatos são afirmativas e são negativas. Há as coisas que eles juram que vão fazer, e há as que juram que não vão. Quando candidata, a agora presidente eleita, Dilma Rousseff, prometeu transformar a saúde num paraíso. Três dias depois da eleição, Lula testava a opinião pública ameaçando com a volta da CPMF, uma das coisas que ela rechaçara em campanha. A reação não foi boa, e, por enquanto, não se quer falar sobre o assunto. Mas ele voltará.
Dilma também negou com veemência que estivesse pensando num ajuste fiscal. Lembro três oportunidades:
“Com o país crescendo a 7%, com inflação sob controle, com o atual nível de reservas (internacionais)… Eu vou fazer ajuste fiscal para quê, hein? Eu não concordo que o Brasil tenha que se submeter sistematicamente, a cada fim de governo, a um ajuste fiscal”
(Dilma Rousseff em 7 de agosto de 2010)
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“Eu não autorizo nenhuma avaliação a esse respeito. Eu vi as notícias, lamento, mas vou desmenti-las [sobre ajuste fiscal]. Não tem discussão neste sentido dentro da campanha. Ademais, o Brasil de hoje não é igual ao de 2002″
(Dilma Rousseff no dia 23 de agosto de 2010)
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“Eu não vou fazer ajuste fiscal em hipótese alguma por um motivo: o Brasil não precisa mais de ajuste fiscal. Ajuste fiscal consiste em duas coisas: corte absolutamente linear de gastos, né? Vale de salário do funcionalismo a investimento público. Além disso, ele caracteriza também por um regime de caixa”
(Dilma Rousseff no dia 30 de agosto de 2010)
Muito bem. Agora vejam esta entrevista de Guido Mantega, ministro da Fazenda, que será mantido no cargo no governo Dilma. Ele revelou algumas coisinhas ao jornalista Heraldo Pereira, no Jornal da Globo:
Ele está prometendo um… ajuste fiscal, aquele negado por Dilma, mas prefere um eufemismo: “Consolidação dos gastos de custeio”. E o salário do funcionalismo, está claro ali, será um dos fatores do ajuste. Segundo Mantega, já houve muito aumento ao longo de oito anos. Estava com a língua tão solta (por assim dizer) que só faltou considerar: “Pô, já ganhamos a eleição; agora é possível falar a verdade”. E os investimentos? Também serão cortados, segundo se pode entender. Agora, diz Guido, é hora de a iniciativa privada fazer a sua parte.
Pois é… Estamos diante de uma questão política que rende um bom debate. Em 2003 — faz tempo, né? —, escrevi um artigo para a revista da Fundação Teotônio Vilela, do PSDB, em que afirmava que a oposição precisava tomar muito cuidado com o PT porque, para o partido, coerência é uma cruz que deve pesar apenas sobre os ombros dos adversários. Eles não têm qualquer compromisso com a palavra empenhada. Vitoriosos, lembram-se, então que têm algumas obrigações, esperando contar com a “responsabilidade” daqueles que foram satanizados nas urnas como expressões do atraso, do retrocesso e tolices afins.
Querem um bom exemplo? A tal PEC 300, que cria o piso salarial para policiais e iguala os vencimentos às das polícias do Distrito Federal! Trata-se de um baita pepino para o futuro governo Dilma se aprovada. O PMDB quer porque quer. Já se comprometeu com a categoria. O PDT também. De onde o petismo espera socorro? Das oposições! Então vejam que mágica fabulosa: na hora de partir para o abraço, os petistas hostilizam abertamente seus adversários. Com as oposições, os petistas querem dividir apenas uma coisa: o ônus de algumas medidas impopulares.
É vital para a democracia que a oposição pense também na própria sobrevivência. Se o seu papel se resumir a dividir com o governo o ônus das responsabilidades e da governabilidade, estará lascada. Uma das formas de ser responsável com o país é não dando um tiro no próprio pé. O reajuste dos policiais é uma bomba fiscal? É, sim. Dilma não tem poder para vetar uma PEC, mas será poderosa o bastante para mobilizar suas forças no Congresso, onde terá uma larguíssima maioria, para rejeitá-la se assim decidir. A governabilidade é compromisso de todos. Governar é obrigação de quem venceu.
O mesmo se diga sobre o salário mínimo. Mantega está dizendo que o governo quer R$ 540. É um valor para negociar, mas não chegará a R$ 600 de jeito nenhum, proposta do então candidato tucano à Presidência, José Serra. O que deve fazer a oposição? Aquilo que faz em todo o mundo democrático: lutar por sua proposta.
Por Reinaldo Azevedo
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